A origem do preconceito racial/social/
de gênero, etc. está ligada a construção de nossa sociedade, nesse sentido o
preconceito pode ser visto como um “ethos” coletivo perpassado de geração para
geração através de rituais, símbolos, instituições, tradições e tudo mais que
compõe a cultura de um povo.
A lógica inerente ao nosso sistema
representativo democrático sempre foi a manutenção do poder
político pelas oligarquias, inicialmente latifundiárias, posteriormente com o
desenvolvimento técnico e industrial de nossa economia, os proprietários
passaram a dividir o espaço público da política com os industriais liberais.
Numa estrutura materialista como a
existente hoje em todo o globo - deve-se
ressaltar a existência de bolsões onde essa lógica não se aplica como no caso
de comunidades alternativas, camponesas, etc. – o projeto político anda lado a
lado com o projeto econômico. Dessa forma a determinação da “ação” política –
dá criação de leis, instituições, políticas públicas, execução de obras, etc. –
passa pelo interesses econômicos. Dessa forma é importante percebermos que o
sistema de trocas existentes numa sociedade tem como característica influenciar
na produção política, cultural, científica, artística, etc. De forma
simplificada, a maximização da produção científica nos últimos dois séculos não
poderia ter ocorrido sem a ascensão do modelo capitalista de trocas.
Porém sabemos que o sistema anterior ao
estabelecimento do capitalismo do ponto de vista político não favorecia a
instalação do mesmo, já que sua estrutura estava construída sobre uma lógica
que não privilegiava o aspecto individualista. Somente com o advento dos
pensamento iluminista no século XVIII somado aos avanços técnicos obtidos pela
“Revolução Inglesa” – aqui vale um paralelo de que desde o início do mesmo
século a burguesia inglesa já havia se consolidado dentro da esfera política
desde o fim da “Revolução Gloriosa” – que se tornou possível a substituição –
inclusive violenta – do Antigo Regime pela ordem Burguesa.
A partir da “Revolução Francesa” de 1789
– mesmo sabendo de que a mesma ia ainda retroceder em alguns aspectos nos anos
seguintes, para se consolidar apenas em 1830 na “Revolução Burguesa” –
inaugurou-se uma nova forma de se pensar o mundo, onde o “ser”possibilitava e
legitimava a lógica capitalista. A burguesia legitimou o individualismo através
de uma nova forma de se pensar o mundo, a política, a natureza e a economia.
Daquele momento em diante era o homem, mais precisamente sua razão que
construiria e daria sentido ao mundo, o indivíduo teria seus direitos
(liberdade, igualdade e propriedade privada) garantidos – em oposição ao poder
absolutista.
Mas vale ressaltar que essa sociedade,
assim como todas as precedentes, tinham como objetivo a manutenção do poder, as
peças trocadas garantiam a ascensão de um novo grupo ao poder – ao lado de
antigos membros da elite e do clero. Mas numa economia baseada nas relações de
troca e no acúmulo de capitais, eram os burgueses quem detinham o poder quase
que absoluto do cenário político. E o funcionamento do regime dependia – assim
como outros – da desigualdade, pois essa era a responsável por gerar as
“castas” existentes na sociedade que tinha como pilar central a noção de posse
sobre os meios de produção.
Para aqueles que não tinham a posse da
propriedade privada, restava apenas vender a sua força de trabalho e como esses
existiam aos milhares, o salário e as condições poderiam ser – assim como ainda
o são – as mais precárias, pois existiria sempre uma massa de trabalhadores
cujo o 1 Xelim por dia era o suficiente para garantir sua sobrevivência.
Dessa forma, se estrutura a sociedade
burguesa republicana, uma sociedade que precisa da desigualdade para manter-se
e que exatamente por isso precisa articular concessões, benevolências,
repressões, tradições, ritos, símbolos com as demandas materiais.
No Brasil a introdução do modelo capitalista se dá mais tarde, apenas no fim do
século XIX – consolidando-se apenas em 1930 – de uma forma completamente
adaptada a realidade colonial de nossos trópicos.
Não há como se pensar que a substituição
de uma modelo de organização – político, econômico, filosófico, etc. –
signifique a completa ruptura com o sistema anterior, permanências são sempre
passíveis de serem identificadas – somente as “Revoluções” teriam como
característica a ruptura completa com o passado. Logo, a introdução do
capitalismo no Brasil conviveu com práticas remanescentes – tanto no plano
prático quanto ideológico – do período colonial. Não havia uma burguesia no
Brasil – pelo menos até a virada do século XIX - mas havia liberais que ansiavam pela
modernidade que o capitalismo oferecia, que ansiavam pelo futuro modernizante
das ciências, das estradas de ferro, da cultura europeia. Estes homens, inspirados na potência
americana dos EUA e apoiados pelos setores militares positivistas encerraram no
Brasil as práticas políticas oriundas dos tempos coloniais e instauraram em seu
lugar uma república oligárquica.
A exploração da força de trabalho,
também fora mudada, do escravo passou-se para a mão de obra livre, mas a
herança do tratamento dado ao escravo permaneceu nas práticas de relação entre
patrão e funcionário (principalmente nos campos, haja visto o processo de
imigração). Empurrados para a periferia das cidades, obrigados a subserviência
no campo, explorados, consumidos, tragados, a mão de obra brasileira sofreu.
Apenas no governo de Vargas houve a criação de leis trabalhistas – essas
criadas como forma de se controlar os operários, já que a mesma CLT não se
aplicava aos trabalhadores do campo, inclusive vale lembrar que um fator
relevante para o golpe de 1964 é vontade manifestada pelo então presidente João
Goulart de realizar a reforma agrária. Além da exploração econômica a
manutenção da “ordem” burguesa passa também pela exploração cultural e social,
há nos grupos dominantes a necessidade de se reformular o imaginário social e
pessoal visando se criar ritos, tradições e símbolos que através de
preconceitos, estigmas, etc. garantam a manutenção do sistema.
Logo, a elite de um país tende a
organizar uma série de ferramentas que vão da criação de uma história oficial,
instituições, tradições, feriados, heróis nacionais, símbolos, inimigos, etc. para
estruturar e tornar “pedagógico” a organização da estrutura social, varrendo
para debaixo do tapete certos aspectos. Ao se relacionar a pobreza com a cor
negra, nós esquecemos de um processo escravista que ao ser encerrado não
ofereceu nenhuma dignidade aos ex-escravos, ofereceu somente a repressão e a
exclusão, esse processo por sua vez foi responsável por consolidar a imagem do
“preto” como pobre, consequentemente com tendências a marginalização. Talvez
por isso algumas pessoas sintam um frio na espinha quando um “negro” caminha na
sua direção na rua.
O preconceito – seja ele qual for – é
então uma espécie de “estrutura de pensamento coletivo” que é perpassado
socialmente através de várias manifestações e que estaria presente na
composição de nossa cultura – sim temos uma cultura preconceituosa.
Naturalizando-se assim as divergências na sociedade, pois vivemos ainda na
lenda do “indivíduo que se faz”. Porém nessa conta, se esquece de levar em
consideração o chamado “Capital Cultural” – o acesso à educação, cultura,
oportunidades, os contatos sociais, etc. – que são completamente definidores em
nossa sociedade. Basta pensar na importância de uma boa escola fundamental no
processo de efetivação do sonho do ensino superior numa universidade federal.
Vivemos o resultado do processo de
manutenção do capitalismo e consequentemente do domínio de uma elite liberal –
isso não significa uma conspiração de homens brancos para controlar o passado,
o presente e o futuro, pois como um processo, essa manutenção é construída
gradativamente a partir das circunstâncias e interesses daquele momento
histórico específico – que conta com a apropriação do Estado pela elite para
efetivar seus interesses econômicos, gerando como refluxo uma sistema cultural
modelado a partir das expectativas materiais.