sábado, 10 de janeiro de 2015

O fim da liberdade?

E a liberdade jaz a beira da morte em pleno começo de 2015, um duro golpe foi dada na mesma quando dos irmãos Kouachi armados assassinaram a sangue frio desenhistas do jornal humorístico Charlie Hebdo e policiais na França.
A liberdade de expressão – frequentemente mal usada – foi posta abaixo de forma desumana. Alguns se sentem tentados em dizer que há uma parcela de culpa dos chargistas no fato, pois os mesmos – contra os postulados do islã – publicaram imagens de Alá. Porém um breve exercício de reflexão permiti perceber que caso os chargistas, jornalistas, etc. passem a encontrar “tabus” para suas abordagens, logo só poderemos falar do que não for incômodo para o Estado e para as Religiões, triste fim esse.
Logicamente há quem faça mal uso da liberdade de expressão, muitas comediantes brasileiros por exemplo, mas esses usam a liberdade de expressão para atacarem minorias – negros, homossexuais, etc. – não para criticarem características coletivas retrógradas.
Um outro aspecto a ser pensando, reside nas consequências desse fato para o mundo não europeu. Ao ver o ex-presidente francês Nicolas Sarkozy afirmando que o ataque contra o jornal foi uma ataque contra a “civilização” fico pensando a qual civilização ele se refere. Logicamente ele se refere ao civilização branca, ocidental e cristã, em momento algum Sarkozy e seus aliados pensam que o “outro” faça parte dessa dita civilização. Podemos até explanar que as raízes dessa dicotomia inconciliável – até agora – entre ocidente e oriente se baseia na imagem pintada pelo ocidente do que é o oriente no século XIX principalmente, objetivando a dominação geográfica e demográfica, ou seja, a imagem do "outro" foi criado por "nós" mesmos com o objetivo de distinguir culturalmente diferentes povos caracterizando através de elementos subjetivos avanço e atraso.
Se a liberdade se encontra tragicamente ferida, as consequências desse ataque a serem tomadas pelos governos podem resultar em seu coma ou quiçá sua morte. A instrumentalização desse ataque para endurecer as políticas de emigração ou para fortalecer o ainda presente ideário da “guerra ao terror” pode transformar a Europa em uma região altamente xenófoba. Politicamente o fato pode resultar numa alavanca para os partidos de direita chegarem ao poder e com isso implementarem políticas sociais excludentes.
O “terror” tem como características a possibilidade de aumento do controle do Estado sobre as sociedades, pela lógica do medo o Estado pode cercear as liberdades individuais – inclusive a liberdade de religião, lembre-se que a França já chegou a proibir o uso de burca em escolas em 2010 – transformando a sociedade em apenas uma engrenagem desprovida de autonomia. Por outro lado o terror oriundo de grupos autônomos de minorias somente faz com que a imagem distorcida que compõe o imaginário coletivo das culturas dominantes se efetive num falso exemplo do que é “ser” o outro.
De certo temos apenas a impressão de que quanto mais “avançamos” mais sacrificamos a liberdade.


segunda-feira, 5 de janeiro de 2015

2015


É paradoxal demais para um historiador realizar um prognóstico sobre o futuro, me arriscarei nessa empreitada apenas por uma razão teórica, A percepção de que não existe “um” passado, “um” presente e um “um” futuro. O passado é tido aqui como sendo uma construção humana, o presente é o hoje e seus acasos - fruto da ação humana -  que desencadeiam o futuro e interferem na interpretação das ações passadas, dando ao passado um sentindo. Enfim, o futuro seria uma espécie de “navio” em um mar revoltoso, cuja a direção não se sabe”, ou seja,  o futuro não existe enquanto materialidade, existe apenas enquanto ideia.
Porém, no presente essas duas instâncias e suas distintas formas de interpretação estão em conflito, sendo o motivo o fato de que a sociedade humana ao se dividir em substratos sociais hierarquizados por uma série enorme de pré-requisitos como:  etnia, religião, orientação sexual, gênero, acesso a cultura e sobre tudo a desigualdade gerada pela diferença entre pobres e ricos, gera um embate no âmbito da práxis e do discurso cujo objetivo é a transformação ou a manutenção das esferas econômicas e políticas de um município, estado, país e do mundo.
Essas diferenças citadas acima são desdobramentos da força social que no século XVIII triunfou com suas perspectivas acerca da organização do Estado e sua relação com a economia. Uma consequência portanto das duas revoluções ocorridas no dezoito, a “Revolução Industrial” – processo iniciado a partir segunda metade de 1700 -  e a “Revolução Francesa” – processo iniciado em 1789 e finalizado em 1799[1] por Napoleão e os girondinos. O século XIX assistirá extasiado – graças aos avanços técnicos e suas consequências culturais, sociais, políticas e econômicas – a consolidação do modelo liberal enquanto regra mestra da organização da vida no ocidente. Gradativamente – ao custo de guerras, extermínios étnicos, etc. – esse modelo se espalhou pelo globo.
Hoje em dia vivemos a radicalização dessa concepção, a lógica existente no mundo transformou como meta principal o consumo, tudo que produzimos é um “meio” para um “fim”, em nada mais somos capazes de encontrar um fim, o celular é constantemente substituído como forma de mostrarmos nosso lugar social. Logo, a esfera humana da política sofre um intenso esvaziamento, pois a mesma se encontra no outro campo da “Condição Humana”. Enquanto o “trabalho” se relacionaria com a chamada “Vita Activa” a “ação política” se encontraria na esfera da “Vita Contemplativa”. Enquanto a primeira se define enquanto criação do mundo através de seus objetos a segunda se define pela afirmação da pluralidade humana através da política (discurso e ação). Nesse sentindo a ação política seria responsável por driblar a finitude humana ao elaborar formas de organização que transcendem o espaço e o tempo dando ao presente e ao futuro estruturas políticas capazes de englobarem toda a pluralidade.
Sendo a dimensão da política baseada em ideias e o mundo de hoje organizado em torno do material, assistimos há um esvaziamento do espaço político na medida em que o mesmo torna-se apenas um espaço para a satisfação dos interesses privados, relacionados a “Vita Activa”. Esse esvaziamento do espaço político torna possível que características do totalitarismo assumam o poder – como demonstra Hannah Arednt – tendo como consequência a amplificação da violência na sociedade. Vivemos em tempos “sombrios”, onde a violência é a resposta para a desigualdade social de ambos os lados, os desafortunados usam a violência como forma de atingir aquilo que desejam – desejo esse que é muitas vezes criado a partir da indústria cultural. Essa forma de violência é tida como “objetiva” e do outro lado o Estado usa a violência para reprimir e manter o status quo, sendo portanto uma forma de violência “subjetiva”. Além dessas duas formas de violência, temos ainda a violência simbólica, proposta pelo capitalismo e suas propagandas, que reduzem o homem e o meio a consumidores e fornecedores apenas, esvaziando a sua essência latente de “ser” e de “estar”.
O objetivo desse Estado do medo é administrar a vida social através do medo – do outro – incentivando assim o mercado da segurança, a construção de muros em torno de bairros, o isolamento das pessoas em casas, as igrejas que lucram com a existência de um sistema desigual, etc.
Portanto em 2015, acredito que o mundo continuará seguindo rumo ao abismo social e ecológico, as forças políticas liberais tomaram o Estado e o transformaram num facilitador de suas ações, a ideologia morreu – o anzol da direita fez a esquerda virar peixe[2]. Vivemos na sombra de um “Estado de bem-estar social” criado para conter o anseio por mudança e ganhar votos. O conservadorismo tornou-se forte, impregnando a política de visões religiosas ultrapassadas que reforçam a exclusão social e o preconceito.
Mas nem tudo se encontra perdido, talvez devêssemos combater essa “violência mítica” – segundo o filósofo Slavoj Zizek, todo estado é fundando sobre um ato de violência mítico – com uma “violência divina”. Pois segundo Walter Benjamim há um anjo da História, empurrado constantemente para frente por uma tempestade (processo histórico), que ao olhar para traz enxerga apenas destroços (injustiças) causadas por esse processo. Logo a resposta para essa situação é a violência divina ou ressentimento – daqueles que não tem para os que tem -  mas sempre se lembrando da máxima de Che: “Hay que endurecerse sin perder jamás la ternura”.
Portanto meu exercício enquanto um “Oráculo” revela-se agourento, pois se baseia na visão de um mundo gerado num presente distorcido, onde aqueles que querem mudanças sofrem por serem tidos malucos.







[1] Porém sua memória e objetivo continuariam assombrando a Europa nos séculos seguintes.
[2] Logicamente nem toda esquerda se vendeu, mas aquela que acendeu ao poder se corrompeu de forma alarmante.