segunda-feira, 16 de junho de 2014

A mentalidade coletiva

A origem do preconceito racial/social/ de gênero, etc. está ligada a construção de nossa sociedade, nesse sentido o preconceito pode ser visto como um “ethos” coletivo perpassado de geração para geração através de rituais, símbolos, instituições, tradições e tudo mais que compõe a cultura de um povo.
A lógica inerente ao nosso sistema representativo democrático sempre foi a manutenção do poder político pelas oligarquias, inicialmente latifundiárias, posteriormente com o desenvolvimento técnico e industrial de nossa economia, os proprietários passaram a dividir o espaço público da política com os industriais liberais.
Numa estrutura materialista como a existente hoje em todo o globo -  deve-se ressaltar a existência de bolsões onde essa lógica não se aplica como no caso de comunidades alternativas, camponesas, etc. – o projeto político anda lado a lado com o projeto econômico. Dessa forma a determinação da “ação” política – dá criação de leis, instituições, políticas públicas, execução de obras, etc. – passa pelo interesses econômicos. Dessa forma é importante percebermos que o sistema de trocas existentes numa sociedade tem como característica influenciar na produção política, cultural, científica, artística, etc. De forma simplificada, a maximização da produção científica nos últimos dois séculos não poderia ter ocorrido sem a ascensão do modelo capitalista de trocas.
Porém sabemos que o sistema anterior ao estabelecimento do capitalismo do ponto de vista político não favorecia a instalação do mesmo, já que sua estrutura estava construída sobre uma lógica que não privilegiava o aspecto individualista. Somente com o advento dos pensamento iluminista no século XVIII somado aos avanços técnicos obtidos pela “Revolução Inglesa” – aqui vale um paralelo de que desde o início do mesmo século a burguesia inglesa já havia se consolidado dentro da esfera política desde o fim da “Revolução Gloriosa” – que se tornou possível a substituição – inclusive violenta – do Antigo Regime pela ordem Burguesa.
A partir da “Revolução Francesa” de 1789 – mesmo sabendo de que a mesma ia ainda retroceder em alguns aspectos nos anos seguintes, para se consolidar apenas em 1830 na “Revolução Burguesa” – inaugurou-se uma nova forma de se pensar o mundo, onde o “ser”possibilitava e legitimava a lógica capitalista. A burguesia legitimou o individualismo através de uma nova forma de se pensar o mundo, a política, a natureza e a economia. Daquele momento em diante era o homem, mais precisamente sua razão que construiria e daria sentido ao mundo, o indivíduo teria seus direitos (liberdade, igualdade e propriedade privada) garantidos – em oposição ao poder absolutista.
Mas vale ressaltar que essa sociedade, assim como todas as precedentes, tinham como objetivo a manutenção do poder, as peças trocadas garantiam a ascensão de um novo grupo ao poder – ao lado de antigos membros da elite e do clero. Mas numa economia baseada nas relações de troca e no acúmulo de capitais, eram os burgueses quem detinham o poder quase que absoluto do cenário político. E o funcionamento do regime dependia – assim como outros – da desigualdade, pois essa era a responsável por gerar as “castas” existentes na sociedade que tinha como pilar central a noção de posse sobre os meios de produção.
Para aqueles que não tinham a posse da propriedade privada, restava apenas vender a sua força de trabalho e como esses existiam aos milhares, o salário e as condições poderiam ser – assim como ainda o são – as mais precárias, pois existiria sempre uma massa de trabalhadores cujo o 1 Xelim por dia era o suficiente para garantir sua sobrevivência.
Dessa forma, se estrutura a sociedade burguesa republicana, uma sociedade que precisa da desigualdade para manter-se e que exatamente por isso precisa articular concessões, benevolências, repressões, tradições, ritos, símbolos com as demandas materiais.
No Brasil a introdução do modelo capitalista se dá mais tarde, apenas no fim do século XIX – consolidando-se apenas em 1930 – de uma forma completamente adaptada a realidade colonial de nossos trópicos.
Não há como se pensar que a substituição de uma modelo de organização – político, econômico, filosófico, etc. – signifique a completa ruptura com o sistema anterior, permanências são sempre passíveis de serem identificadas – somente as “Revoluções” teriam como característica a ruptura completa com o passado. Logo, a introdução do capitalismo no Brasil conviveu com práticas remanescentes – tanto no plano prático quanto ideológico – do período colonial. Não havia uma burguesia no Brasil – pelo menos até a virada do século XIX -  mas havia liberais que ansiavam pela modernidade que o capitalismo oferecia, que ansiavam pelo futuro modernizante das ciências, das estradas de ferro, da cultura europeia.  Estes homens, inspirados na potência americana dos EUA e apoiados pelos setores militares positivistas encerraram no Brasil as práticas políticas oriundas dos tempos coloniais e instauraram em seu lugar uma república oligárquica.
A exploração da força de trabalho, também fora mudada, do escravo passou-se para a mão de obra livre, mas a herança do tratamento dado ao escravo permaneceu nas práticas de relação entre patrão e funcionário (principalmente nos campos, haja visto o processo de imigração). Empurrados para a periferia das cidades, obrigados a subserviência no campo, explorados, consumidos, tragados, a mão de obra brasileira sofreu. Apenas no governo de Vargas houve a criação de leis trabalhistas – essas criadas como forma de se controlar os operários, já que a mesma CLT não se aplicava aos trabalhadores do campo, inclusive vale lembrar que um fator relevante para o golpe de 1964 é vontade manifestada pelo então presidente João Goulart de realizar a reforma agrária. Além da exploração econômica a manutenção da “ordem” burguesa passa também pela exploração cultural e social, há nos grupos dominantes a necessidade de se reformular o imaginário social e pessoal visando se criar ritos, tradições e símbolos que através de preconceitos, estigmas, etc. garantam a manutenção do sistema.
Logo, a elite de um país tende a organizar uma série de ferramentas que vão da criação de uma história oficial, instituições, tradições, feriados, heróis nacionais, símbolos, inimigos, etc. para estruturar e tornar “pedagógico” a organização da estrutura social, varrendo para debaixo do tapete certos aspectos. Ao se relacionar a pobreza com a cor negra, nós esquecemos de um processo escravista que ao ser encerrado não ofereceu nenhuma dignidade aos ex-escravos, ofereceu somente a repressão e a exclusão, esse processo por sua vez foi responsável por consolidar a imagem do “preto” como pobre, consequentemente com tendências a marginalização. Talvez por isso algumas pessoas sintam um frio na espinha quando um “negro” caminha na sua direção na rua.
O preconceito – seja ele qual for – é então uma espécie de “estrutura de pensamento coletivo” que é perpassado socialmente através de várias manifestações e que estaria presente na composição de nossa cultura – sim temos uma cultura preconceituosa. Naturalizando-se assim as divergências na sociedade, pois vivemos ainda na lenda do “indivíduo que se faz”. Porém nessa conta, se esquece de levar em consideração o chamado “Capital Cultural” – o acesso à educação, cultura, oportunidades, os contatos sociais, etc. – que são completamente definidores em nossa sociedade. Basta pensar na importância de uma boa escola fundamental no processo de efetivação do sonho do ensino superior numa universidade federal.

Vivemos o resultado do processo de manutenção do capitalismo e consequentemente do domínio de uma elite liberal – isso não significa uma conspiração de homens brancos para controlar o passado, o presente e o futuro, pois como um processo, essa manutenção é construída gradativamente a partir das circunstâncias e interesses daquele momento histórico específico – que conta com a apropriação do Estado pela elite para efetivar seus interesses econômicos, gerando como refluxo uma sistema cultural modelado a partir das expectativas materiais.

2 comentários:

  1. Fala Rodolfo. Quanto tempo meu caro. Bom esse texto escrito por você. Me fez lembrar vários pontos que tenho abordado com meus alunos. Lecionar em instituição privada de predomínio da classe média alta (e branca), como o meu caso, nos faz deparar com uma série de situações. A questão racial, sem dúvida, é a mais problemática. Todos dizem contra o racismo, mas na prática e no comportamento evidenciam um racismo raivoso. A começar com o padrão estético de beleza de hegemonia branca. Basta observar nas redes midiáticas e televisivas a exibição de traços físicos e corpos onde não deixam dúvida daqueles mais belos, sempre brancos e de características europeias. Já tive embates ferrenhos, até com amigos, ao afirmar que os conceitos feio e bonito estão diretamente relacionados ao racismo. Ser bonito faz uma analogia direta ao branco, por outro lado, ser feio corresponde à negros. Devido a isso me rotulam de radical, complexado, equivocado, etc, etc, etc. Enfim, bom falar contigo meu caro. Mande notícias. Grande abraço. Gilson.

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    1. Meu caro Gilson o racismo no país é um sintoma que vai além do estético, entendo bem a sua colocação e concordo com essa ideia da padronização estética branca. Mas me parece - por isso também sou chamado de radical - que o "capital" ao se inserir em todos os campos da vida humana acaba criando condições econômicas para a existência de tudo. Logo a imagem construída historicamente de que o "branco" é superior as outras etnias e portanto é mais belo, foi transpassada hoje para o mundo - capitalista ao extremo - da moda. Os jovens, inclusive negros adotaram por exemplo a ideia de que o cabelo bonito é o cabelo liso, e nas periferias a chapinha gera lucro para os cabeleireiros.
      No dia em que subvertemos a "catraca" social do acesso de grupos minoritários da sociedade aos mais altos patamares da sociedade - isso no mundo todo - veremos alterações significativas no que consideramos belo.
      Mas muito obrigado pelo comentário, esse espaço de criação textual é justamente para fomentar a discussão
      Abraços

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